Olá, pessoas!
No mês passado eu saí de casa para ver pessoas e resolver burocracias em outra cidade pela primeira vez em 1 ano e 8 meses. Isso me fez pensar sobre a volta gradual do convívio, assunto que por inúmeras razões eu vinha evitando.
Eu não lido bem com o excesso de estímulos (alguém lida?) e essa volta foi brutal nesse sentido, depois de três dias intensos eu tive uma ressaca total, fiquei prostrada algumas horas em silêncio completo e quase sem me mover para recuperar o sistema avariado :D
Talvez, essa seja uma indicação de que precisamos de um modelo social, de trabalho inclusive, mais gentil com nossa mente já tão agitada. Mas como propor algo nesse sentido - e que seja viável - vivendo no capitalismo? Essa é a pergunta que me acompanha desde então e que eu queria deixar com vocês também.
Um abraço e até a próxima,
Clara
Estive atenta:
3 dicas para reagir ao cansaço e ao excesso de estímulos
Eu diria que, acima de tudo, eu procuro ser sempre gentil comigo mesma. Tento acolher minhas próprias frustrações entendendo que não sou melhor ou pior por senti-las. Talvez todas as agonias que sofro são também sentidas por outras pessoas além de mim. Estamos todos aqui sujeitos aos nossos desejos e frustrações, não importa quem a gente seja. Essa consciência me faz sentir mais humana.
Levando em conta esse auto-acolhimento, tenho três pequenas atitudes que encontrei no pico do meu sofrimento para me ajudar a ser mais gentil comigo mesma. São elas:
1) Separar o joio do trigo
Uma vez por semana, eu tiro meia hora para dar uma organizada geral nos meus arquivos. Do celular, do computador ou da “nuvem”. Ajuda a manter as coisas minimamente sustentáveis. Tento aplicar o método da Marie Kondo para deletar arquivos (“isso me traz alegria?”), e assim vou acompanhando o quanto de gigabytes tenho disponível nos dispositivos. Gosto de olhar com atenção para meus softwares e aplicativos: se eu não uso algo há mais de seis meses, eu avalio se não vale a pena deletar (e se eu precisar de novo, faço novo download no futuro).
2) Contemplar o nada
Eu tinha mania de pegar o celular assim que acordava, na cama mesmo, e ficava rolando o olhar por coisas aleatórias. Às vezes só levantava vencida pela vontade de fazer xixi, pelo compromisso de dar ração aos gatos ou reunião de trabalho.
Certo dia, passei a esperar uns minutos antes de pegar o celular. Usava esse momento só para ficar sentada na cama, no escuro, meio que olhando pro nada. Se eu sabia que eu ia ficar 1 hora inteira olhando o celular, cinco ou dez minutos contemplando o nada não fariam diferença nenhuma.
Eu ainda faço isso todos os dias, mas não só quando acordo. Faço esse exercício de ficar em silêncio com o olhar perdido, em qualquer lugar a qualquer hora. Comecei a expandir o hábito assim: toda vez que eu pegava o celular com um movimento automático, eu me perguntava porque estava fazendo aquilo. Na maioria das vezes, era só um movimento automático mesmo, quase um cacoete.
Nem sempre eu resisto a vontade de olhar a tela (lembre que ainda estamos "competindo" com a engenhosidade de empresas bilionárias), mas tomei gosto por esses momentos de “ausência de conteúdo”; a falta de foco agindo como um espaço vazio e não a mudança rápida da atenção entre uma coisa e outra. O incrível ato de simplesmente respirar e ficar ali, existindo, sem qualquer estímulo mental. É uma delícia. E não, não é uma meditação como a gente entende meditação.
Faz uns anos que comecei a meditar diariamente. Às vezes os amigos me pedem dicas sobre como começar, etc, e eu sempre digo que meditação não é solução para nada e tampouco é uma prática que funciona para qualquer pessoa. Mas eu acredito que o hábito da contemplação é um bálsamo para qualquer um. Principalmente para quem está com a mente cansada (ou seja, todo mundo). Parece idiota fazer isso, mas perceba que nem todos os momentos ociosos precisam estar preenchidos com alguma coisa, ainda mais se essa coisa for a tela dos celular.
3) Cultivar a comunidade
Tenho para mim que, às vezes, se distrair com redes sociais é um vício em se distrair da vida. Pode ser também um jeito de lidar com esse cansaço de estar sempre resolvendo tudo sem apoio de ninguém.
Há um tempo atrás, eu estava com algumas dificuldades e falei com uma amiga, para ouvir uma segunda opinião. Eu queria resolver as coisas com minhas próprias mãos, na base da força. Mas nunca conseguia o que eu queria. E com o tempo o esforço me exauria, eu ficava apática. Eu estava tão exausta de tudo que até pensar me cansava.
Foi quando minha amiga disse mais ou menos isso aqui:
O mundo nos faz acreditar que tudo que acontece com a gente é nossa culpa. Nos sentimos culpadas por nossas decisões, por nosso cansaço; acreditamos que há solução para todos os males, é só a gente se esforçar um pouco mais. Porque o capitalismo quer que a gente resolva tudo sempre sozinha.
A coisa mais anticapitalista que você fez hoje foi me ligar e pedir ajuda. Você está exercendo o seu direito de pertencer a um grupo. Nós somos sociedade, comunidade, estamos aqui uns para os outros. Eu posso ajudar você hoje, assim como você pode ajudar outra pessoa amanhã quando você estiver bem. Aliás, todo mundo precisa que você esteja bem. Mas você está tão focada em resolver tudo sozinha que nem sabe que você simplesmente não precisa resolver tudo sozinha. Não quer dizer que você não consegue, mas que receber apoio te poupa uma energia que pode ser usada em outras coisas.Então eu lembrei. Que todas as vezes em que eu estive no fundo do poço, eu nunca saí de lá sem ajuda.
Uma das coisas mais anticapitalistas e mais gentis que posso fazer é simplesmente entender e aceitar que não preciso resolver tudo sozinha.
Pedir ajuda é cultivar comunidade. Ajudar os outros é cultivar comunidade.
E num mundo que nos faz acreditar que somos responsáveis por tudo, é muito difícil lembrar disso.
Você já exerceu seu direito de pertencer a uma comunidade hoje?
Vanessa Guedes, em uma das newsletters que acompanho, a Segredos em Órbita.
Para prestar atenção:
Essa entrevista com o filósofo Byung-Chul Han.
Esse post do instagram do Lama Padma Samten.